
Ele viu-se forçado a não projectar qualquer emoção naquele acto de desunião. Na verdade, obrigou o seu cérebro a manter um sorriso constante, em certos casos a mostrar inclusivé os dentes desalinhados, por imposição dos anticorpos desenvolvidos em tempos remotos, em situações algo semelhantes. Mas ela pareceu paralisar enquanto segurava a mão dele e perscrutava os seus olhos. Ele continuava de sorriso aberto, enquanto sentia cada pedaço interior ser flagelado por mãos invisíveis. Seria o seu coração a desfazer-se, porventura. Porém, ali estava ele a exibir aquela falsa felicidade castradora e escrupulosa. Ninguém, para além dele estava convencido da sua ventura. Mas ele só o percebeu quando o sabor a sal lhe invadiu os lábios. Sim, eram lágrimas, em torrentes quase descontroladas, que manchavam a sua face.
Não existiram palavras - engano seu quando o referiu -, apenas aquele silêncio castrador colado ao vento. O silêncio e o abraço. É tudo o que recorda. O avião esperava na pista, de portas abertas, enquanto avisos ecoados pelas colunas de som recordavam que a porta de embarque fecharia a qualquer momento. A mensagem que os seus ouvidos não conseguiam fazer calar. Aquele aviso que, camufladamente, lhe recordava que ela tinha de partir. Não haveria um regresso, ele sabia-o.
Os braços dela começavam a desprender-se do seu corpo, sentia-o. Por momentos teve a impressão de que havia regressado à adolescência, àqueles dias de fim de Verão que lhe roubavam os amores nascidos nos areais, entre as ondas gélidas da costa Norte. Até que os braços se soltaram por completo e tudo pareceu, a seus olhos, mover-se numa espécie de câmara lenta. O corpo dela a recolher aquela mala, gasta pelas noites passadas na rua, o contraste com a roupa limpa que exibia, os beijos dos amigos, o beijo colado nos seus lábios, a sua inércia desajustada enquanto ela se afastava. E ele estupidamente preso numa epécia de bolha surreal, julgando que aquele momento não era mais do que um pesadelo.
Terá sido instinto. E juntemos-lhe um outro substantivo: impulso. Movido por um sentimento que até ao momento desconhecia correu na direcção dela. Correu, tendo a impressão de que se abria uma espécie de corredor à medida que o seu corpo acelerava o ritmo da corrida. Ele queria apenas voltar a sentir a pele quente dela contra a sua. Ele queria apenas os dedos dela entrelaçados nos seus. Ele queria apenas sentir a sua alma despida frente ao olhar dela. E, por isso, correu, como se a sua vida dependesse desse movimento feito naquela noite de nevoeiro trazido pelo Inverno.
A lembrança corre-lhe o pensamento a cada minuto do dia. É verdade que o seu corpo quase se perde entre os objectos que enchem a rua. Mas a verdade é que ele não está ali. Está preso àquele momento. Está preso àquele outro corpo.
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