quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

relógio de mãe

Naquele corpo há um tempo que ela sempre irá carregar. Independentemente da chuva que caia, da passagem do Inverno e sucessiva abertura de pétalas, independentemente das crises e guerras que possam fazer rachar o mundo. Há uma hora de uma relógio imaterial que continua o seu tic tac vigoroso, sucessivamente, sem pausas para o sono, para o descanso das pálpebras ou do batimento cardíaco.

Ela sabe exactamente o dia, o minuto se lho pedirem e quiça o segundo. Um coração de mãe não tem relógio, mas regista automaticamente cada vibração do seu outro eu. Sabe-o, porque na hora em que aconteceu o seu corpo paralisou enquanto os olhos fixavam a parede branca à sua frente. Havia um grito que ecoava preso contra as paredes do seu peito, que lhe rasgava as artérias e perfurava a pele. É uma dor sem nome, se dor poderemos chamar a tamanha angústia que lhe corroía o cérebro.

Quando lhe bateram à porta ela teve vontade de se manter presa à cadeira, de ignorar o som seco do punho na madeira. Era o medo, era a certeza. Erguida em tremuras e carregado o coração nas mãos abriu a porta de rosto lavado em lágrimas. Ela sabia-o e bastou-lhe a face do outro para perceber que estava certa: o seu filho havia morrido.

Jamais à palavra justiça se fez jus. Aquele que havia roubado a vida ao seu filho continuou a percorrer as ruas da aldeia como se a palavra morte não lhe provocasse qualquer peso nos ombros. Nunca foi apresentada uma justificação. O momento errado. A hora errada. O local errado. São estes os fios que ela carrega no corpo, um corpo que resistiu ao tempo, à lembrança, à dor, à perda.

Hoje, o tempo não é mero tempo. É a base onde se assentam cada um dos momentos tidos por detrás da respiração agora inexistente.

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