quinta-feira, 25 de abril de 2013

um quarto branco no 25 de Abril


O quarto é branco. Os quartos dos hospitais são sempre demasiado brancos. Os espaços parecem ter cores que nos ferem os olhos. Sei que hoje é o 25 de Abril, que há discursos, filmes e manifestações, mas cá dentro não é dia nenhum. Ou é simplesmente um outro dia. Cá dentro está tudo demasiado calmo. O silêncio só é cortado pelas conversas das enfermeiras ali no fundo do corredor, por uma passagem curta de alguém por aqui para ver como está o soro e o corpo e regressa o silêncio. 

A rapariga que estava ao meu lado entra no quarto de sorriso aberto e diz que se vai embora. E quase lhe tenho inveja. Imagino-a a sair do hospital para longe destas camas e destes corredores e, sim, tenho-lhe inveja. Fecho os olhos e sinto o sol quente no corpo, ouço as ondas a embater na areia e o som das muitas conversas cruzadas e o quarto parece-me menos branco. 

Na parede para lá do meu quarto há grávidas que esperam. A ala da Ginecologia é possivelmente das mais felizes do hospital. Quase se sente no ar essa ânsia de quem aqui entra, a felicidade entre a respiração constante, o nervoso miudinho dos homens que esperam. E de repente já não há silêncio. Há um choro. Esse primeiro choro de quem acaba de chegar e dizer-se chegado. Sim, eu sei que é o 25 de Abril. Porque o 25 de Abril também é o choro de uma criança acabada de nascer. 

segunda-feira, 15 de abril de 2013

corpo casa


Amas-me sem nunca o teres dito, sem nunca me teres olhado directamente nos olhos, sem nunca teres desejado que ficasse permanentemente na tua casa, na tua cama. E, no entanto, amas-me com amor suficiente para uma vida. Como o sei? Sei-o de cada vez que me abraças. É nos meus braços, tendo-me nos teus braços que me desejas ter para sempre. Porque o meu corpo é a tua casa. O meu corpo é a cama onde te deitas.

sexta-feira, 5 de abril de 2013

recuo aos 80

Frame de Pedro Magano
Apetece-me anos 80. Apetece-me entrar na máquina do tempo e regressar à infância. Apetece-me aquela ingenuidade simples e desculpável. Apetecem-me os arranhões de rápida cura, os beijos roubados atrás do palco. Apetece-me correr pela estrada e sentir o vento na face sem me preocupar com uma possível queda. Apetecem-me aqueles amores intensos na sua volatilidade, amores de brincar às casinhas durante o recreio. Apetece-me o mundo perfeito que os olhos inocentes conseguiam ver. Apetece-me ter título de criança.

quinta-feira, 4 de abril de 2013

isso

Foto: lovetrains

Não me digas que me amas. Vem, simplesmente, dar-me a mão, abraçar-me, permitir que repouse a face no teu ombro, deixar que acredite por largos minutos que o mundo é este calor que emanas da pele, o perfume que sinto colado ao teu pescoço, o mar e o céu fundidos em ti. Vem que hoje não preciso das palavras. Preciso de ti.