Eu não tenho medo da morte. Houve um tempo em que a palavra – morte - era impronunciável, parecia maior que a minha boca, ficava presa na garganta, teimava em atemorizar-me o cérebro. Deixei esse tempo no passado, porque nunca, como neste tempo presente a morte me parece tão suave, tão intensa, tão apetecível. Eu sei que não entenderão. Eu sei que todos os argumentos que tenha naturalmente construído pareçam vazios, egoístas, mesquinhos. Mas a verdade é que quando estamos presos a um corpo morto que deixou de se sentir vivo, a morte aparenta ser uma segunda oportunidade.
Tentei por duas vezes. E por duas vezes falhei. Fizeram-me falhar. E fizeram-no não porque me amam, mas porque têm medo da morte. Têm medo desse vazio que se desconhece, onde nos sentimos perder e que não sabemos tapar. Fizeram-no porque acreditados que o amor que sentem a isso os obriga vêem camuflados o seu egoísmo de que lhes doa não mais me ter.
Mas sabem que vou continuar a tentar. E no fundo, nesse fundo que se tenta contradizer, afogar, reconhecem que essa é a única saída. Olham para os meus olhos vazios e percebem que só a ideia da morte os enche de vida. E digo-o com um sorriso. Porque dizendo-o sinto toda a liberdade inerente a cada uma dessas palavras, ao escape que significam, ao alívio que provocam. E, no entanto, sinto-me já cansada de o dizer. Olho para os meus filhos e digo-lhes sem nada dizer que só isso nos salvará. Eles entendem, mas não querem entender.
Passaram muitos meses desde a minha última tentativa e, por sorte minha, acreditam que voltei a ter essa vontade que não conheço, jamais conheci, de viver. Por minha sorte permitem-me pela primeira vez tomar banho sozinha. Disse-lhes que ia encher a banheira. Disse-lhes que ia tomar um banho relaxante. Disse-lhes que ia encher a banheira de espuma. Só não lhes disse que não voltaria a respirar depois desse banho. Vou deixar a cabeça mergulhar suavemente e deixar que essa sensação de liberdade me atinja lentamente até me saber totalmente livre. Eles não entendem. Não vão entender. Talvez um dia entendam.