terça-feira, 27 de março de 2012

doce fim

Eu não tenho medo da morte. Houve um tempo em que a palavra – morte - era impronunciável, parecia maior que a minha boca, ficava presa na garganta, teimava em atemorizar-me o cérebro. Deixei esse tempo no passado, porque nunca, como neste tempo presente a morte me parece tão suave, tão intensa, tão apetecível.  Eu sei que não entenderão. Eu sei que todos os argumentos que tenha naturalmente construído pareçam vazios, egoístas, mesquinhos. Mas a verdade é que quando estamos presos a um corpo morto que deixou de se sentir vivo, a morte aparenta ser uma segunda oportunidade.

Tentei por duas vezes. E por duas vezes falhei. Fizeram-me falhar. E fizeram-no não porque me amam, mas porque têm medo da morte. Têm medo desse vazio que se desconhece, onde nos sentimos perder e que não sabemos tapar. Fizeram-no porque acreditados que o amor que sentem a isso os obriga vêem camuflados o seu egoísmo de que lhes doa não mais me ter.

Mas sabem que vou continuar a tentar. E no fundo, nesse fundo que se tenta contradizer, afogar, reconhecem que essa é a única saída. Olham para os meus olhos vazios e percebem que só a ideia da morte os enche de vida. E digo-o com um sorriso. Porque dizendo-o sinto toda a liberdade inerente a cada uma dessas palavras, ao escape que significam, ao alívio que provocam. E, no entanto, sinto-me já cansada de o dizer. Olho para os meus filhos e digo-lhes sem nada dizer que só isso nos salvará. Eles entendem, mas não querem entender.

Passaram muitos meses desde a minha última tentativa e, por sorte minha, acreditam que voltei a ter essa vontade que não conheço, jamais conheci, de viver. Por minha sorte permitem-me pela primeira vez tomar banho sozinha. Disse-lhes que ia encher a banheira. Disse-lhes que ia tomar um banho relaxante. Disse-lhes que ia encher a banheira de espuma. Só não lhes disse que não voltaria a respirar depois desse banho. Vou deixar a cabeça mergulhar suavemente e deixar que essa sensação de liberdade me atinja lentamente até me saber totalmente livre. Eles não entendem. Não vão entender. Talvez um dia entendam.

quinta-feira, 8 de março de 2012

sou mulher


Sou mulher. E como todas as mulheres acredito que o cromossoma X nos torna especiais. E não o digo de ar presunçoso, vaidoso e altivo. Digo-o porque o sinto debaixo da pele. Sou especial porque sinto de uma outra forma. Dessa forma que dificilmente se sabe explicar, mas se reconhece ser diferente na intensidade, no tamanho, na dor, no calor, na essência. Sou feita dessa matéria de delicadeza e sensualidade que me contorna os contornos, que me torna apetecível, que me torna suavemente mulher.

Cresci sem que ninguém soubesse explicar o que é isto de se ser mulher, percebendo apenas que sinto mais, me prendo mais, me magoo mais, me questiono mais sobre o meu eu, me sinto complexa nesta complexidade de que sou feita. Sou mulher e como todas as mulheres sonho com disparates, desejo o mais profundo de profundo que possa haver no sentimento, enrolo-me em ilusões e embato contra a realidade de rosto erguido. Sou mulher e por isso não tenho medo de chorar ou de amar, mas engulo cada uma das lágrimas para que acreditem que há mais dureza neste corpo do que numa mulher poderia haver.

Embelezo-me consciente que a minha beleza desliza pelas linhas do meu corpo, mas sei que a minha real força se exerce através da inteligência, da subtileza da palavra certa. Sou mulher dentro dos meus vestidos, da minha camisa, das minhas calças, do alto dos meus saltos ou descalça. Sou mulher porque caminho a mergulhar em sonhos e a acreditar que os sonhos e a constante insatisfação são o único alimento que necessito para alinhavar cada um dos dias. Sou mulher sabendo que a minha firmeza e o meu orgulho estão no meu género, que a vontade me corre nas veias para expulsar para o exterior que a suavidade da minha pele se reveste de perseverança. Sou mulher com o meu sexto sentido à flor da pele e carrego-o com a delicadeza que um sentido que só a nós nos pertence exige. Sou mulher podendo ser mãe, querendo ser mãe, sabendo que ser mãe me dá um poder perene. Sou mulher que se faz cada vez mais mulher, desejando ser ainda mais mulher em cada atitude, em cada passo, em cada olhar. Sou mulher e nada mais posso ser ou quero ser senão mulher porque viver neste corpo de mulher me faz acreditar e afirmar que o cromossoma X faz de mim um ser especial.