quarta-feira, 30 de novembro de 2011

pedido dos tempos que o tempo não leva

Estavam sentados na berma do passeio e olhavam para lados opostos da rua. Estavam chateados. Não sabiam se era uma daquelas chatices temporárias a que já não davam importância, senão pelo prazer que tinham em voltar a abraçar-se desse abraço de pazes feitas. De peito duro em defesa do que se diz não se querendo dizer, não se sabendo porque se o diz, deixaram que o silêncio se encarregasse do momento por momentos.

Até que ele, prontamente se coloca de pé, de corpo virado para o dela, ali sentada de olhos pregados nele. 

(o bater descompassado no peito)

Hesitou, perdeu a hesitação, sentiu-se humilhado nessa hesitação. 

(o sangue quente a reflectir-se na sua face)

E sem nada mais do que a alma colada à garganta, esqueceu as modernices sociais e emocionais que o tempo encarregou de colar aos corações e perguntou-lhe:

Queres namorar comigo?

E ela não precisou de palavras para lhe dizer que sim.

(a felicidade)

segunda-feira, 14 de novembro de 2011

reencontro

Tinha-te perdido. Tinha-te perdido e julgava internamente que jamais te voltaria a sentir a pele. Inicialmente contava cada um dos dias. Teimava em lutar contra esse tempo que teima em fazer-nos colocar sob as paredes da carne o que um dia se apoderou de todo o eu. Como se de repente a pilha terminasse e o teu eu, parte do meu eu, estagnasse em parte incerta do meu sangue, num desses pedaços de tecido que se perdem na fluidez das veias.

Quis acelerar. Como se acelerando pudesse apressar o tempo e reencontrar-te. Tive vontade de acelerar enquanto percorria a estrada e te recordava, sentindo-te como quem sente sem sentir na verdade pura do toque. Como se acelerando pudesse alcançar um outro tempo, como se acelerando te pudesse recuperar. Como se acelerando com o volume do rádio no máximo e a lua cheia a iluminar-me chegasse a um outro tempo que o tempo esqueceu, me arrefecesse o sangue quente.

Tive medo, confesso. Tive medo que reconhecesses o meu nervosismo, aquela ansiedade colossal que carregava. Tive medo de não saber fingir um sorriso descontraído. Tive medo que assim que sentisse o teu rosto a nossa história me caisse sobre os ombros, entre o peito e não o conseguisse suportar. Não sabia se deveria aparecer. Senti o estômago, o coração, a razão embrulharem-se, confundirem-se, chocarem. Não sabia se deveria deixar o meu quarto e reencontrar-te depois de tanto tempo. Tu que me conheces a pele, me conheces sob a pele. Tu que me viste partir, deixando a mágoa entregue ao tempo.

O dia entardeceu. Surgis-te, surgi-te entre a luz morna do sol. Ver-te. Sentir-te. Olhar-te nos olhos. Ver o teu sorriso. Ver cada pedaço de ti. Olhar-te como se te olhasse pela primeira vez, com os olhos de saudade. Não te ter. Saber-te perdido. Saber-te, porém, meu. Vou deixar-te novamente. Vamos deixar-nos mutuamente, querendo-nos, sabendo não nos podermos ter. Vou partir. Preciso partir.

quinta-feira, 3 de novembro de 2011

sou-te

Olhava-te do canto da janela do meu quarto, de coração entrecortado, enquanto te admirava o rosto, os olhos presos entre a multidão, os olhos de quem me sabe presente, de quem me sabe ofegante. Deixavas-te ficar do outro lado da rua como se propositadamente me entregasses ao desinteresse que te obrigavas a carregar. Estarias a ouvir a música? A música que me fizeste ouvir naquela noite de chuva intensa em que me encontraste a caminho de casa, molhada. Aquela suave sensação erótica que surge momentaneamente de quem se acha próxima de alguém que inexplicavelmente nos toca sem se movimentar. O toque, esse toque, que chega onde não nos parece ser possível.

Seja  feita a vontade do desejo. Antes que este desejo me consuma até às entranhas, me rebente o coração e me sufoque cada um dos pulmões. Seja feita a sua vontade antes que o controlo seja já descontrolo e a garganta não saiba sequer que a saliva secou. Seja feita a vontade de cada uma das vontades desse desejo avassalador e corrosivo antes que a presença dele se entranhe em cada um dos meus poros. Mas seja feita a vontade desse desejo sem que retire de mim o que dentro tenho. Seja do físico o reino, sem mágoas que escavam entre os ossos, sem ânsias de nós, sem nós na alma. Nesse caso podes vir, uma e outra vez, tantas vezes quantas vezes o desejo te exigir, porque jamais me carregarás contigo.

Não resisti. Acreditei que não resistir traria a paz de quem sente o corpo saciado. Este desejo desconhece, porém, como viver apenas entre as paredes da carne e injecta-se entre o cérebro e o coração. Quanto prazer existiria em viver da carne, sobre a carne, pela carne. Que prazeroso seria dizer adeus a essa palavra amor, roçando-me exaustiva e eternamente no prazer físico, na construção plena do simples desejo e no seu consumo.

Julguei que saberia separar o amor de ti. Sim, julguei. E odeio que hoje saibas que me enganei. Hoje odeio esse poder que sem que saibas exerces sobre mim. Sim, odeio-o tanto quanto preciso de ti.