quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

vida com sabor a sal

Quem o visse caminhar pelo areal naquela manhã de Inverno suspeitaria que era a tristeza quem o acompanhava. Diriam que era a tristeza quem guiava cada um dos seus passos, que era ela quem obrigava os olhos a manterem-se pregados ao areal e daí não se moverem a não ser para se cravarem nas ondas ou no horizonte. E, no entanto, a única coisa que ele procurava fazer era alimentar-se. Do cheiro a maresia, dos estalos de salitra na face, do roçar dos dedos na areia.

E, de repente, teletransportava-se até àquela que ainda hoje é a sua casa: o mar. Parece um menino. Com um sorriso rasgado, a pular no meio do areal, rente à queda da onda, a fugir à água gelada e a querer abraçá-la, de cabelos desalinhados pelo vento e calções gastos pelas quedas. Assim, em tronco nu. Como quando tinha cinco anos e disse à mãe que queria ser marinheiro de oceanos grandes.

Neste desejo os imensos navios fizeram apenas parte de noites agitadas sob o comando de sonhos em alto-mar. As vestes brancas jamais fizeram parte do seu guarda-roupa, mas parte desse destino havia de ser cumprido. A maioria das horas da sua vida entregou-as ao mar e consigo o seu corpo. Viu os dias rasgarem-se no fim da linha com as mãos envoltas em redes, os primeiros raios de luz a incidir no corpo dos peixes enquanto separava cada um deles. Haveria também de ver o céu encerrar-se sentado nessa mesma embarcação, de adormecer embalado pelas ondas, de acordar com tempestades que faziam o mar atirar a embarcação para um e outro lado vezes sem conta.

A palavra tragédia embarcou uma madrugada consigo, trazendo luto e dor a ranger em cada sílaba. Cinco pescadores enfrentaram o mar naquela noite fria de Outono, mas apenas um haveria de regressar cinco dias depois.Voltou com a morte carimbada no rosto e o medo cravado nos ossos. A estória deixou-a no mar e em terra entregou-a ao silêncio. Basta o sofrimento num mundo em que as palavras não fazem corpos ressuscitar.

A perda não o impediu, porém, de voltar às águas gélidas. Mas no tempo posterior não era apenas peixe que este homem procurava. Das mãos que lançavam as redes corria o desejo de resgatar a alma a um corpo que a perdera. O Homem alimenta-se de peixe. Ele alimenta-se de oceanos grandes.

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