
Apelidaram-no de homem silêncio. Um corpo ausente que, à medida que se riscavam os meses no tempo, se transformava cada vez mais em matéria daquela mesa. A sua vida era um vácuo, uma incógnita aos olhos dos demais. Mas jamais alguém se atreveu questioná-lo. Não o conhecem porque as suas palavras são a sua imagem. O homem silêncio é, na verdade, um reconhecido escritor, mas nunca apresentou o seu rosto a par dos seus livros. Refugia-se num pseudónimo e esconde-se num local perdido no interior do mapa nacional, para onde se mudou contam-se já quinze anos. É o seu refúgio, uma forma de fintar a fama.
As palavras surgiram tarde na sua vida. Usou-as aos trinta anos como sua salvação, como único meio de expressão e, sobretudo, como escape da dor quando a morte lhe levou o amor. No dia em que a perdeu atirou as suas memórias e o que restava da sua vida para o interior de uma mala gasta e partiu. A fuga levou-o até uma ilha isolada, para um recomeço que ele visualizava como o fim, para meses de angústia e sofrimento, para um labirinto emocional onde se sentia encurralado. Foram as palavras quem o salvou. Foram as palavras quem o despertou. Foram as palavras escritas sobre a morte e o amor que fizeram nascer o seu primeiro romance, que fizeram nascer o escritor.
A dor jamais o deixou, jamais o deixará. Ele sabe-o. Sabe que essa dor se cravou na pele, que o perfurou até ao interior dos seus ossos. Mas reconhece que essa mesma dor é o ingrediente principal das suas estórias, o motor do seu eu. Vive com ela, vive graças a ela.
Dez anos volveram desde que aterrara naquele pedaço de terra quando o decidiu abandonar. Foi de novo o amor que o levou a partir. Exactamente no momento em que percebeu que a paixão ia regressar aos seus dias, exactamente quando o seu coração voltou a bater, partiu para Portugal. A alteração geográfica não repercutiu qualquer mudança na sua vida. Só os cheiros, o clima e a paisagem se diferenciam. Perdeu a beleza do oceano, ganhou a magnitude das montanhas. As palavras permanecem. Continuam a surgir em torrentes incontroláveis, a encher páginas, a formar estórias, a serem alimento da alma de tantos. Ele vai permanecer naquele recanto. Ali vai continuar a dar a sua vida à literatura, a recusar dar o corpo ao amor. Aquele recanto pertence-lhe. Pertencer-lhe-á até ao dia em que a paixão o obrigue a uma fuga não planeada, mas obrigatória.
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