quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

superlativo fantasioso

Foi a forma delicada e sensual como ela fez deslizar o baton sobre os lábios que lhe prendeu a atenção. O olhar abandonou a boca para apreciar depois o justo vestido vermelho que lhe delineava o corpo. Percorreu cada parcela daquela mulher, incitado a descobrir como seria possível transpirar tanta beleza sem se ser, porém, a mulher mais esbelta que os deuses poderiam edificar.

A subtileza com que se aproximou, as primeiras palavras proferidas, a construção do primeiro sorriso resguardaram-se nas entrelinhas da história. Mas os primeiros passos de dança seriam como dia de Verão, como toque do mar nos pés, como gelado em dias tórridos, como beijo sob a chuva. Envolvidos em acordes de blues, naquele apertado corredor do pub, ele fez os dedos deslizar-lhe pelas costas, enterrou a face no perfume dos seus longos cabelos negros, sentindo o sorriso dela roçar-lhe o ombro.  

Há amores assim. Nascidos da pausa de um viajante, germinados em corpos que tiveram um oceano de distância enquanto se faziam homem e mulher, capazes de viver para além da morte, ainda que a morte possa ser o fim de tudo. Para esses amores a distância é simples problema. Basta-lhes um primeiro olhar para estarem certos que o caminho entre o querer e o ter se faz ao ritmo dos passos da paixão. E enquanto for essa quem os guia haverá desejo e fantasia a balançar na pureza daquele amor.

Trinta e um dia volveram até que se estilhaçasse o silêncio. Das mãos do carteiro ela receberia a primeira carta. "Há um manto de saudade indiscritível e soturno a cobrir as ruas, os espaços que habito. Falta-me a tua pele. Pede-me que parta." Nesse mesmo envelope, gasto da viagem, seguiu a resposta, escrita sobre o joelho: "A minha pele partiu contigo. Mas sinto mais a tua ausência do que a ausência dessa minha pele.".

A paixão não altera o ciclo dos rios, não move montanhas, não abre fendas na terra. Mas altera o ciclo das vidas, o rumo dos corpos, o bater do peito, o estado da alma. A paixão destes dois haveria de durar quanto o tempo o tempo considerou justo fazer jus ao medo da separação, ainda que o tempo do relógio tenha injectado brandura quanto baste neste sentimento inflmado.

O avanço cronológico trouxe as rugas, as mãos cansadas, os olhos encovados, os cabelos brancos. Apesar de fracos os corpos, forte era o entrelaçar dos dedos, como se adivinhassem que o marco temporal que limita o sempre estivesse próximo. Eles sabiam-no, mas viviam cada minuto dos dias algemados à crença de que estavam enganados. Doce sedução esta, a da mentira, quando há tanta verdade na ilusão. São ordens ditadas pelo amor, diriam os mais sábios.

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