terça-feira, 18 de janeiro de 2011

sr. ninguém

Quinze anos é muito tempo. É demasiado tempo para aqueles que perderam a existência. Mas ainda que o tempo corra milhas no calendário, jamais a imagem do retrato de família que carregava na carteira gasta lhe vai abandonar os olhos.

Na memória recente ficou-lhe preso o odor que viajou do corpo de uma mulher até si. Aquele mesmo perfume colado à pele da mulher com quem dormira tantas e tantas noites. Ele percorreu os seus leves passos até que o olhar não mais a pudesse encontrar, incapaz de fazer mover os lábios a fim de desfazer a dúvida que o atormentava.

O tecto que o resguarda não é palpável. Não é imune a tempestades ou ao calor intenso. Noites há em que as telhas são bordadas de estrelas. Outras em que se cobrem de um manto de nevoeiro. A lua ora se esconde ora se deixa mostrar, assim despida, completa, luminosa. Ele diria, se a existência não fosse tão apagada, que não há maior companhia do que a lua de uma noite de Verão. Talvez porque, na verdade, ninguém para além da natureza o quer acompanhar. Ele próprio gostaria de prescindir da sua companhia.

A sua imagem espelhada nos vidros de montras luxuosas é repelente, monstruosa, capaz de provocar arrepios nos dias mais quentes. E, no entanto, todos passam por si alheios à imagem, ao cheiro, ao rosto destroçado, ao corpo destruído.

Fez destas escadas a casa enquanto o dia lhe oferece luz, mas assim que a escuridaão começa a invadir as paredes, ergue o corpo e obriga-o a cumprir a jornada diária.

Uma rua

Outra rua

A busca

O frio

O nada

A tentativa de encontrar algo que lhe sirva de colchão. A tentativa de encontrar algo que esconda a sua não existência do mundo.

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