quarta-feira, 9 de janeiro de 2013

Uma não partida

Fotografia: Felipe Rocha

Não são necessárias palavras robustas para se falar de saudade. Às vezes penso naqueles dias cinzentos carregados de nevoeiro, que exigem que liguemos os mínimos logo pela manhã para que possamos ver meio metro de estrada, para saber que a saudade é isso. Um lusco fusco num caminho com tanto para trás que queremos voltar a colocar à frente.

Tenho caminhado pela cidade na tentativa de me adaptar às novas cores, de inalar este cheiro novo, de me sentir eu aqui, mas é a minha rua que me cobre a retina. Nos prédios altos vejo as casas de baixa estatura, de janelas abertas para deixar entrar o sol e a roupa lavada estendida no alto. Nas pessoas que correm por este caminho, sem nunca pronunciar um olá ou um sorriso, vejo os rostos da minha aldeia carregados de modéstia e desejo de nos cumprimentar.

A vida já não é a mesma. Não é. O meu coração continua naquele aeroporto, preso aos últimos abraços, preso à angustia da partida. Julgo que nunca parti. Ainda percorro a calçada meia atrapalhada nas pedras incertas, com o cheiro a mar ali tão perto e aqueles que se amam ainda mais perto. Mas ainda tenho os sonhos e embrulhar-me neles dia fora sabe ao som das palavras que me enchem a vida.

É. Parece que nada mudou. Sei que a minha mãe - que saudades - está a cozinhar bacalhau porque é Segunda-feira, o meu pai - que saudades - está sentado em frente a ler o jornal e a ouvir o Preço Certo na televisão e o meu sobrinho - que saudades - corre de um lado para o outro, pronunciando coisas que ninguém entende, mas aos quais todos sorriem. Haverá mais gente depois do jantar. Os meus irmãos - que saudades -, os restantes sobrinhos - que saudades - numa confusão de uma ensurdência quente. Eu chegarei a casa dentro de momentos, quando já todos começaram a jantar e esperam a minha buzina para me abrir a porta da garagem.

Esperem só um pouco. Não tarda nada estarei à porta.

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