quinta-feira, 3 de novembro de 2011

sou-te

Olhava-te do canto da janela do meu quarto, de coração entrecortado, enquanto te admirava o rosto, os olhos presos entre a multidão, os olhos de quem me sabe presente, de quem me sabe ofegante. Deixavas-te ficar do outro lado da rua como se propositadamente me entregasses ao desinteresse que te obrigavas a carregar. Estarias a ouvir a música? A música que me fizeste ouvir naquela noite de chuva intensa em que me encontraste a caminho de casa, molhada. Aquela suave sensação erótica que surge momentaneamente de quem se acha próxima de alguém que inexplicavelmente nos toca sem se movimentar. O toque, esse toque, que chega onde não nos parece ser possível.

Seja  feita a vontade do desejo. Antes que este desejo me consuma até às entranhas, me rebente o coração e me sufoque cada um dos pulmões. Seja feita a sua vontade antes que o controlo seja já descontrolo e a garganta não saiba sequer que a saliva secou. Seja feita a vontade de cada uma das vontades desse desejo avassalador e corrosivo antes que a presença dele se entranhe em cada um dos meus poros. Mas seja feita a vontade desse desejo sem que retire de mim o que dentro tenho. Seja do físico o reino, sem mágoas que escavam entre os ossos, sem ânsias de nós, sem nós na alma. Nesse caso podes vir, uma e outra vez, tantas vezes quantas vezes o desejo te exigir, porque jamais me carregarás contigo.

Não resisti. Acreditei que não resistir traria a paz de quem sente o corpo saciado. Este desejo desconhece, porém, como viver apenas entre as paredes da carne e injecta-se entre o cérebro e o coração. Quanto prazer existiria em viver da carne, sobre a carne, pela carne. Que prazeroso seria dizer adeus a essa palavra amor, roçando-me exaustiva e eternamente no prazer físico, na construção plena do simples desejo e no seu consumo.

Julguei que saberia separar o amor de ti. Sim, julguei. E odeio que hoje saibas que me enganei. Hoje odeio esse poder que sem que saibas exerces sobre mim. Sim, odeio-o tanto quanto preciso de ti.

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