quinta-feira, 10 de março de 2011

dependência

Primeiro a perna esquerda. Agora a direita. Depois aquela força que parece vinda das entranhas para erguer o tronco, até conseguir aquela elevação necessária para que as velhas e frágeis mãos dela me possam suster. Hoje veste-me uma camisola de lã, sem nunca demonstrar o quão difícil é a tarefa. Os músculos prenderam-me os braços, o tempo fará com que todo o corpo se transforme numa estátua. Sei que o diagnóstico não falhará. Conseguir afastar os membros superiores 10 centímetros do corpo é uma vitória, mas as vitórias tendem a ver a sua importância fragilizada.

Tenho as palavras coladas nas paredes da garganta. Moram lá ainda antes do branco ter-se apoderado dos meus cabelos, antes das cataratas se terem apropriado dos meus olhos, de terem deturpado o meu olhar, antes mesmo da doença de Parkinson ter chegado ao corpo dela.

15 minutos. 15 minutos é o tempo necessário para abandonar o colchão e colocar este homem magro que sou na cadeira de rodas. A espinha que parece quebrar, a pele que quase rompe, as chagas que se abrem, o coração prestes a rachar. Só o sorriso dela atenua a dor. Aquele suave e ténue sorriso que a velhice lhe ofereceu.

O meu mundo é esta casa. É esta casa e o que vejo das suas janelas. É o som emanado da boca dela e o toque das suas mãos na minha face, na minha cabeça, no meu peito. É a chuva que bate nos portais e o sol reflectido na minha pele. É o olhar dela a respirar amor, a ausência de pena quando coloca o cobertor sob as minhas pernas e me arrasta até à sala. O meu mundo parece uma caixa feita de tijolos, comandado pelo som das rodas enferrujadas da cadeira. O meu mundo é isto: as suas mãos nas minhas, as minhas mãos nas dela. Somos velhos, estamos sós. Não estamos sós porque nos temos.

4 comentários:

  1. Olá,

    Cai no seu blog por acaso, e adorei esse texto, parabéns é lindo.

    Vou ler os outros, assim que possível.

    Juliana

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  2. Há acasos mesmo positivos. Espero que te mantenhas uma seguidora :) Obrigada.

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