terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

chamo-lhe amor

Sou um menino. Ainda hoje sou um menino, com os meus 70 anos, quando te olho deitada na cama, sentada no sofá, enquanto olhas pela janela e me dás a mão. Sim, sou um menino. Continuo a ser um menino, continuo a amar-te como um menino, com esse amor ingénuo preso à paixão.

Deixo os meus dedos engelhados de velhice escorrerem pela tua cara e vejo-te ainda essa mulher colada à juventude que me encheu de si, essa mulher de sorriso preso à timidez, essa mulher que na sua fragilidade do tempo se transformou nas minhas mãos, nos meus braços, nas minhas pernas e quantas vezes na minha voz. Muitas vezes acreditei que te perderia, que te veria partir, nessa tua beleza que não se consome. Ficaste. E chegou o filho, os filhos, o neto, que haveria mais tarde de ser plural. Muitas vezes fiquei simplesmente parado a olhar-vos, no meu silêncio de regozijo porque, por vezes, as palavras atrapalham a atenção, desfocam o simples deleite da felicidade.

Trouxeste o relógio para que me sentisse em casa. O relógio cujo ponteiro não se cala chegou às 20 horas. Passaram dois meses desde que cheguei a esta cama de hospital e sei que será hoje. É hoje que parto. Passaram dois meses desde que te sentaste nessa cadeira desconfortável, dedicando cada um dos minutos do teu dia a mim, esquecendo-te de ti, dando a tua vida por mim, querendo fazê-lo, sabendo não poder fazê-lo. São 20 horas, vou partir e apenas consigo pronunciar um obrigado, repetido vezes sem conta. Porque agradecendo agradeço amar-te, porque dizendo obrigado te digo amo-te, porque dizendo obrigado, uma e outra vez, te digo que és todo o meu pedaço, todo o eu nesse teu corpo. Porque dizendo obrigado te agradeço as respirações ofegantes e as quase silenciosas de cada um dos nossos momentos. Porque, enfim, agradecendo-te saberás que somente por ti terei vivido, saberás que me deste vida onde outros vêem morte. E se isto não é amor, se isto não é o tão aclamado amor, então não sei que nobre sentimento é este que nos reveste a pele, então não sei dizer que doçura é esta que trago presa na alma quando me dás as mãos, me dás um obrigada de retorno e sorris, sorris sabendo que vou partir.  

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