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Cansei-me.
E no dia em que me cansei transformei-me numa mulher sem alma. Não há nada pior
que uma mulher sem alma. A carne engole-nos o coração, desprende-se algo para
dentro, permite-nos parecer estripadoras de corpos.
Chove
tremendamente, mas em mim está sol, há sol. Sento-me no teu colo e o som do mar
entra porta dentro. Vejo-te dentro de mim sem precisar de olhos para o ver.
Chove. Chove tremendamente, mas dentro de mim há um sol imenso. Está sempre
quente na minha imaginação. Uso um vestido fresco e curto e vejo-o esvoaçar com
a brisa do Verão, como se os momentos acontecessem em câmara lenta. Há
felicidade cá dentro. Sei que há, porque me sinto quente ainda que chova
insistentemente, ainda que saiba que é Inverno e a areia está molhada. Mas isso
é cá dentro. Lá fora é outra coisa.
Lá
fora gostar é um gemido. São os muitos gemidos, um atrás do outro,
incessantemente. Gostar é o sangue a correr dentro do corpo, a parecer que nos
vai saltar dos olhos. Perguntam-me se gosto deles e digo que sim. Vejo-lhes os
olhos entusiasmados e o peito orgulhoso. A minha mentira que lhes parece
verdade excita-me. Gostar é o descontrolo de não sabermos quem somos, é parecer
muitas num só corpo, corpo dentro. A culpa é dele, é deles, é minha. Que
importa o que nos transforma se em nada nos muda o que está dentro da pele?
Suavemente. Um atrás do outro. O corpo, mais um corpo, um outro corpo, o amor
em percentagens controladas e em tempo definido que não há tempo para amar e
amar, dizem, fere.
Passo
a mão pela relva acabada de cortar. Cheira a sal e uvas. Tenho um coração e uma
mão na minha mão. Há sol. Na minha imaginação há sempre um sol e um tu. Lá fora
é outra coisa.
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